Chuva de especulações sobre a morte de Nisman

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Se alguém pensava que janeiro ia ser tranquilo na Argentina, certamente não imaginava que, de repente, vamos por partes:

  1. o procurador Alberto Nisman interromperia suas férias sem motivo aparente, deixando sua filha de 13 anos sozinha no aeroporto internacional de Madrid à espera da mãe;
  2. faria uma denúncia bombástica contra a Presidenta da República, demonstrando um grau de confiança impressionante nas entrevistas que deu para canais de televisão;
  3. seria chamado para dar explicações no Congresso argentinos tão logo passasse o fim de semana;
  4. e, finalmente, apareceria morto no banheiro de seu apartamento, após mandar uma mensagem a amigos que pouco remete a uma carta de despedida (veja abaixo)

nisman_mensaje.jpg_2069580699Desde então, a Argentina foi tomada de surpresa numa trama que tem gerado desconfiança, mistério e, devo mencionar, descrédito. Enquanto os opositores mais ferrenhos têm denunciado fortemente o governo até de ser o autor do crime, salta à vista um clima de decepção com as instituições de um país que já viu crimes estranhíssimos jamais serem solucionados, como a morte do filho de Menem na década de 90 e o desaparecimento de Jorge Julio Lopez.

E no meio desse clima de consternação, seja pela morte de Nisman, seja pelas acusações que ele fez, seja pelas denúncias de que o governo estaria envolvido, seja pela sorte de um país onde esse tipo de coisa acontece (e, na maioria das vezes, não aparecem respostas), é difícil não ficar desorientado com a quantidade de informações quentíssimas que vão retroalimentando as incertezas. Vamos a elas!

Uma das primeiras respostas do governo à notícia de que Nisman havia aparecido morto, foi desclassificar todos os documentos relacionados à causa AMIA (veja as acusações que ele havia feito); mas, antes disso, quando nem bem os jornais tinham acesso à trágica notícia, o Secretário de Segurança nacional Sérgio Berni foi à cena do crime, o que se configuraria como uma séria quebra de protocolo, já que ele se antecipou à perícia, por exemplo, e poderia ter alterado as evidências.

O Chefe de Gabinete Jorge Capitanich, que é o porta-voz do governo em regulares coletivas de imprensa na Casa Rosada, afirmou que ele “estava apenas cumprindo suas obrigações, monitorando de perto o protocolo”. A oposição não se contentou com a explicação e, rapidamente, chamou o secretário para dar explicações no Congresso, mas não conseguiu passar o pedido de convocatória. Deve-se lembrar que os kirchneristas têm uma expressiva maioria parlamentar e criticaram a oposição por fazer uso político dessa tragédia em pleno ano eleitoral.

Mas essa foi apenas a primeira das polêmicas, porque até agora a Presidenta Cristina Kirchner não se pronunciou pessoalmente sobre o caso, restringindo-se a divulgar um comunicado pelo Facebook curto em condolências e farto em especulações polêmicas. Cristina, por exemplo, repassou suas atividades na causa AMIA antes mesmo de ser presidente, primeiro como Deputada Provincial e, depois, como Senadora, quando teria notado que:

“Começaram a desfilar pela Comissão (da Verdade) todo tipo de personagens, hipóteses, teorias, ao mesmo tempo em que cada vez mais cresciam as contradições, as falências, os erros. (…) Enfim, a confusão, a tergiversação, o ocultamento ou a “aparição de provas” tornou-se um método permanente”

Ela descreve minuciosamente, como alguém que participou do processo, a “fabricação de um julgamento”, sobretudo quando foram aparecendo as graves irregularidades da investigação do juiz Juan José Galeano, como eu descrevi no post anterior, até que “tudo voltou à estaca zero”.

Ela, então, conta que isso já faz quinze anos e que lhe parece “curioso e sugestivo” que essa nova denúncia tenha aparecido, justamente quando o julgamento oral ia finalmente ter início em meados de 2015.

“Curiosa e sugestivamente, 21 anos mais tarde tentam converter em encobridores quem tratou de conseguir os depoimentos dos acusados iranianos mediante um Tratado Internacional aprovado por lei no Congresso. (…) Mas acredito que o mais importante é advertir que se está tentando fazer com o julgamento do encobrimento o que se fez com o julgamento principal (da causa AMIA) 21 anos atrás: desviar, mentir, ocultar, confundir”

De fato, o respeitado jurista Eugenio Zaffaroni, ex-ministro da Suprema Corte argentina, em recente entrevista disse que considera “uma conduta estranha” o retorno antecipado de Nisman no meio do recesso da justiça para apresentar uma investigação que, segundo o próprio, já estava sendo gestada há quatro anos. No mais, vaticina:

“À princípio, tem alguma coisa no conteúdo, na descrição do fato, que basicamente não se configura um delito, esse é o problema. Desde o ponto de vista do direito, não encontro um delito, não vejo como se pode enquadrar. (…) O que eu imagino é que esse pobre rapaz (Nisman) é uma vítima a mais de uma desviação da investigação da causa AMIA. Foi vítima de informação distorcida, pistas falsas, não tenho porque pensar que ele fez isso de má-fé. Em algum momento se deu conta de que tudo isso era falso”

Entretanto, Cristina foi criticada até pelo New York Times e, desde sua declaração, viu aparecerem evidências de que um suicídio é improvável. Embora a arma que constava na cena do crime houvesse sido pedida emprestada a um de seus colaboradores, o cadáver não tinha vestígios de pólvora na mão. Outros indícios “estranhos” são:

  • um bilhete para a empregada dando instruções corriqueiras para as compras de segunda-feira
  • uma foto enviada ao vice-presidente da DAIA (uma organização judia) Waldo Wolff por Nisman em que se vê vários papéis do processo marcados, o que demonstra que ele esteve trabalhando intensamente no caso
  • o personal trainer apareceu para dizer que Nisman o havia contactado para dizer que voltaria aos exercícios após o verão
  • uma pegada de aparência recente e uma digital encontrada num pequeno corredor que conectava seu apartamento ao do vizinho (onde ficava o ar-condicionado)

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O dado espetacular do dia foi a declaração do chaveiro que ajudou a abrir a sofisticada fechadura da porta social do apartamento logo antes do corpo ser encontrado. De acordo com ele, a porta de serviço tinha uma fechadura simples e estava com a chave de dentro metida no buraco, o que supostamente facilitaria a abertura “por qualquer um”.

(Minhas perguntas pessoais são: como diabos os seguranças e policiais que faziam a sua escolta suspeitam de alguma coisa acontecendo num apartamento de uma personalidade supostamente ameaçada de morte e têm a ideia de ligar para a mãe dele ao invés de arrombar a porta e ver o que está acontecendo? Por que, com a mãe ao lado, chamaram um chaveiro para abrir a sofisticada fechadura se os funcionários do prédio – eu imagino – sabiam que a porta de serviço tinha uma fechadura simples?!)

Com essa chuva de evidências contrárias à tese do suicídio, já se está falando na hipótese da “indução”, ou seja, de que ele teria sido pressionado (por quem?? como??) a cometer o suicídio.

Hoje, em frente à AMIA, as organizações judias argentinas marcharam por justiça. É o segundo protesto desde segunda-feira, quando a Praça de Mayo se encheu de uma multidão bem educada, mas aos raivosos gritos de: “Cristina assassina!”, “Basta de impunidade!” e “Vai terminar! Vai terminar! A ditadura K vai terminar!”.

Em entrevista com o jornalista e analista político Raúl Kollmann, do Página/12, ele me disse que, tendo em vista a polarização do país, que também contamina os meios de comunicação, esse tipo de mistério atiça um lado contra o outro, não importa as provas nem as evidências. “Pode aparecer um vídeo-testamento com Nisman dando um tiro na cabeça, que eles seguirão dizendo que Cristina o matou”, desabafou.

Mas como tudo é um pouco mais complicado na Argentina e, para embaralhar um pouco as cartas, eu tenho certeza absoluta que um jornalista do Clarín ou La Nación diria o mesmo de Kollmann. “Podia aparecer a Cristina vestida de mulher-gato posando em frente ao cadáver do Nisman, que ele diria que foi suicídio”, desabafariam.

Cá entre nós, se aparecer uma dessas fotos ou alguma informação mais relevante desse caso que está dominando todas as conversas por aqui, eu prometo que dou detalhes.

Até mais!

 

2 comentários sobre “Chuva de especulações sobre a morte de Nisman

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