Lagomarsino: temos um suspeito?

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O último lance do thriller Nisman na Argentina foi a emocionante entrevista do especialista em informática, amigo, confidente e fiel escudeiro do procurador assassinado faz mais de dez dias.

Sua foto já andava circulando nos jornais e canais de TV dias antes, mas a verdade é que pouco se sabia dele. Isso, entretanto, não interferia em nossa imaginação, frequentemente alimentada por elementos soltos como “um salário de 40 mil pesos”, a foto dele  curtindo uma pescaria, as duas visitas que fez ao edifício Le Parc em Puerto Madero – uma das quais, teria sido no fatídico domingo –, o empréstimo da arma do crime. Uma mistura de nerd, playboy e frio assassino que não casa.

Diego Lagomarsino. Casado, com filhos, vive pelas bandas do rico subúrbio de San Isidro. Um homem de família que, conforme viríamos saber depois da boca da própria Presidenta da República, é irmão do executivo do escritório de advocacia Saenz, que vem a ser sócio do Grupo Clarín. E, numa dessas, tivemos que ponderar se isso não significava um estilo de vida glamuroso & mafioso e reuniões com o poderoso Magnetto; ou uma personalidade mediocremente retraída na barra da saia de um alto funcionário do judiciário ante um irmão muito melhor de vida.Captura de Tela 2015-01-31 às 1.42.12

À esse momento, Cristina não queria inferir nenhuma das alternativas, muito menos sugerir que ele pudesse ser verdadeiro assassino de Nisman, como muitos meios de comunicação quiseram sugerir aqui. Apenas questionava o papel da cobertura mediática que o caso vem recebendo: e se Lagomarsino fosse membro do seu partido e fosse irmão de um ministro do seu governo? Será que o tratariam com semelhante comedimento?

Certamente não. Como fazem com alguns dos outros envolvidos no caso, garimpariam absolutamente tudo de polêmico e/ou excêntrico que estivesse em domínio público e repetidamente publicariam, televisionariam, tuiteariam e facebookeariam ad nauseam, de repente, o transformando,antes mesmo dele dar as caras, numa celebridade famosa ou infame – depende de através de quem e em quê momento. Se através de alguns meios, Lagomarsino é um pobre rapaz gente bien que estava no lugar errado e na hora errada, por meio de outros, ele é o vilão-modelo num país nacional e popular, também afeito a um drama.

Mas eis que surge numa coletiva de imprensa, na tela de dez em cada dez televisores argentinos, o verdadeiro Diego Lagomarsino, acuado, arrasado com a morte do amigo, com o destino das pequenas órfãs e amparado pelo advogado Maximiliano Rusconi.Captura de Tela 2015-01-31 às 1.45.00

Antes mesmo do primeiro de muitos tensos soluços que ouviríamos dali um pouco, já era notório que Rusconi havia defendido réus do quilate de Carlos Menem e que provavelmente tudo o que ele dissesse poderia ter o mesmo grau de sinceridade que se pode chegar a ter argumentando em favor do ex-Presidente. Aliás, isso deve ter pesado contra o seu pedido de recato à Presidenta, já que, em suas palavras, ventilar hipóteses em público “provoca muitos danos às investigações”. É só comparar a frieza daqueles olhos verdes com a figura daquela frágil mulher de branco em cadeira de rodas para enxergar misoginia em qualquer coisa que ele diga. Uma reação absolutamente natural.Captura de Tela 2015-01-31 às 1.46.49

Entretanto, é preciso tirar o chapéu para um advogado desses. Sendo especializado justamente em fustigar preconceitos – o preconceito que carrega um réu per se –, não é que Rusconi logrou passar a imagem de estar defendendo um pobre inocente que de tão íntegro, tão tímido, tão consternado e tão ingênuo, já tinha se tornado um amigo?

Ou talvez um filho; pois, sentado ao seu lado, deixando-o dar explicações, mas tomando a dianteira para responder a todas as perguntas, Rusconi era aquele pai de adolescente que havia se metido numa enrascada.

E que enrascada! Embora, conforme pisoteia uma tenaz amiga jornalista, ninguém haja perguntado o que um pobre nerd inocente, pai de duas crianças, faz com uma 22 perdida dentro de casa na eventualidade do chefe pedir, Lagomarsino teve que carregar as tintas da sua declaração para evitar mais delongas.

Foi ao encontro de Nisman a pedido do próprio, quando foi surpreendido por um pedido (soluço) estranho. “¿Tenés una arma?”, teria lhe perguntado o procurador, desbancando qualquer contra-argumentação com um desabafo: “Você sabe como eu me sinto quando minhas filhas não querem estar comigo por medo de que aconteça alguma coisa?”. A verdade, explicará o advogado, é que nem seria preciso tanta psicologia para forçar o pobre Lagomarsino a acatar o pedido de Nisman. Afinal, ele era seu chefe. E a gente se pergunta, de fato, quem tão generoso quanto o procurador pagaria quarenta mil pesos por mês a um ingênuo especialista em informática? Impossível. Era mesmo preciso aceder, também porque Nisman o teria assegurado que não usaria. Só a portaria, dirá Lagomarsino na única pergunta que resolveu responder espontaneamente, quando fosse passear com as filhas no dia seguinte.

Mas, espera aí… as filhas não tinham sido deixadas na Europa? Uma das jornalistas presentes na conferência repete a pergunta mais de três vezes e é ignorada. É atropelada por uma declaração sobre o histrionismo da Presidenta e de alguns funcionários do governo. Minha tenaz amiga jornalista se revira de nervoso. Queremos saber: teriam as filhas tomado a mesma intempestiva decisão de voltar da Europa que o pai, conforme ele falou com os amigos numa mensagem de Whatsapp? É possível. Como também é possível que o pai temeroso de seus próprios seguranças permitiria uma coisa dessas. No mundo de hoje em dia, vai saber…nisman_mensaje.jpg_2069580699

Nem bem pudemos diluir o choroso depoimento com aquela possível contradição, que logo apareceu a Procuradora Fein, responsável pela investigação, para revelar que, na verdade, Nisman já teria planejado voltar naquela data mesmo. Ou seja, talvez fosse apenas uma mentirinha boba a tal mensagem para a rapaziada no Whatsapp. Vai saber…

De qualquer jeito, não importa. O que importa é que Lagomarsino, espremido entre a pecha de vilão ou vítima, saiu da entrevista mais misterioso do que quando entrou. E no meio de tantos novos insumos para a nossa imaginação a respeito desse personagem digno da trama que se vive todos os dias na Argentina (obviamente, só entre os que não estão enlouquecidos com o boom do turismo interno), resta-me apenas uma perguntinha boba: será que Rusconi permitirá outro free-style de Lagomarsino?

Eu os mantenho informados.

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